A escolha da escala nos estudos geográficos

Olá companheiros, 

Mais uma vez venho contribuir com a discussão sobre a cartografia e as novas tecnologias na representação espacial. Agora vamos abordar a questão da "Escolha da escala nos estudos geográficos". 
Nos últimos anos, com o avanço da chamada ciência da geoinformação, diversas geotecnologias tem auxiliado a sociedade humana a melhor aproveitar os recursos oferecidos pela natureza, desde aqueles que se encontram em ambientes continentais, até os recursos que se utilizam dos meios aquáticos. 

É uma “ciência” relativamente nova, que surge a partir da união de técnicas de cartografia, geografia e outras geociências (geodésia, geomática, etc.) e de processos computacionais que ganharam impulso principalmente a partir dos anos 1960-1970 (CÂMARA; MONTEIRO, 2001), com o avanço tecnológico na área da informática e com o progresso dos equipamentos e softwares que compõem as geotecnologias.

Essas geotecnologias já estão inseridas, há algum tempo, em vários setores da atividade humana, como mineração, transportes, etc; e tendem a aumentar devido a importância que vem tomando nos últimos anos, pois, em um ambiente Sistema de Informações Geográficas - SIG, por exemplo, o acúmulo de informações geográficas, em níveis local ou global, e a possibilidade de relacionamento de dados espaciais e de atributos dessas geometrias, com rapidez no processamento e agilidade de geração do produto cartográfico, potencializa os processos de tomada de decisão e planejamento por parte do usuário, pois um SIG permite agrupar, colecionar e analisar automaticamente a informação espacial (SILVA, 2006), de modo mais otimizado e mais rápido do que era possível com as técnicas de pesquisa tradicionais – mormente em formato analógico.

Contudo, durante a utilização de geotecnologias, como em um SIG, não podemos desconsiderar os dados oriundos de atividades de campo e, muito menos, as diferentes escalas de atuação socioespacial, que estão inter-relacionadas com a forma de apropriação do espaço e do uso racionalizado dos recursos naturais, de forma que haja uma superposição de escalas no que diz respeito à normatização do uso dos recursos naturais. 

Hoje, excetuando os mapas e maquetes táteis, a maioria dos produtos cartográficos (mapas, cartas, plantas, etc) podem ser representadas em meio computacional, que possibilitam ao usuário a capacidade de visualização/demonstração temporária de uma determinada informação geográfica, onde um determinado espaço é apresentado segundo a vontade e necessidade de ser visualizado pelo usuário (CRUZ; MENEZES, 2009).

Esses tipos de mapas podem demonstrar o dinamismo das ações sobre a superfície da Terra, onde segundo suas características de mobilidade, sazonalidade, instabilidade, etc (SILVA, 2008), podem representar os objetos e os processos, além dos movimentos e mudanças temporais, climáticos e ecológicos, que influenciam nas atividades produtivas.
Contudo, para Cruz e Menezes (2009) essa representação não se restringe apenas à apresentação computadorizada, pois a visualização também pode ser demonstrada por meio de cópias, assumindo nesse caso a característica de visualização dos mapas de papel, onde a informação é transformada em permanente, dificultando a atualização do produto cartográfico, a não ser pela construção de um novo mapa.

Desse modo, independente da forma apresentação do produto cartográfico, é preciso conhecer os fenômenos inerentes aos objetos que se quer representar. Nesse sentido, em relação a escala cartográfica, podemos, genericamente defini-la como uma relação entre a dimensão representada do objeto no mapa – a partir de suas geometrias e atributos, e sua dimensão no espaço real (CRUZ; MENEZES, 2009). 

Quando se fala na elaboração de um produto cartográfico, é importante mencionar que a escala estará sempre presente em qualquer nível de estudo cartográfico, sendo considerada fator determinante para a delimitação do espaço físico, grau de detalhamento de uma representação ou identificação.

Em termos analógicos – em mapas impressos, as escalas permanecem imutáveis, só modificando quando da reprodução de cópias ou na elaboração de novos mapas. Em termos computacionais, porém, a questão da escala pode ser um fator complexo, uma vez que a escala dos mapas mostra uma relativa independência das bases digitais (FITZ, 2008a; 2008b), isto é, na maioria dos softwares de geotecnologias, “as funções de aproximação e afastamento (zoom in e zoom out), fornecem a sensação de independência de escala, uma vez que podem gerar visualizações em uma série de continua de escalas” (CRUZ; MENEZES, 2009, 213-214), isto é, na possibilidade de zoom ilimitada podemos gerar “mapas ilusórios” na interpretação de seus conteúdos. 

Ao falar da escolha da escala, Fitz (2008b), informa que “(...) no caso de mapas armazenados em arquivos digitais (...) a escala pode ser facilmente transformada para quaisquer valores. Entretanto, isso pode gerar uma série de problemas. Deve-se ter muito cuidado ao lidar com esse tipo de estrutura, pois o que realmente condiz com a realidade é a origem das informações geradas. Assim, um mapa criado em meio digital, originalmente concebido na escala 1:50.000, nunca terá uma precisão maior do que a permitida para essa escala" (FITZ, 2008b, p. 24, grifo nosso).

Nesses casos, na manipulação digital de informações cartográficas, podemos falar em “multiescalas” dentro de ambiente computacional, mas no momento de transferência para modelo analógico a escala do mapa será uma só, segundo a escala da base cartográfica de origem e devido a sua característica permanente depois de impressa, mas variada quando levado em consideração as diferentes escalas encontradas na base de dados cartográfica que gerou o produto cartográfico final – seja sobre uma base vetorial ou raster, em ambiente computadorizado. 

É complexo, porém, estabelecer o limiar de cada escala, pois o conceito de grande, médio e pequeno é bastante subjetivo, e essa associação a um valor numérico é definida para estabelecer uma referência ao tamanho relativo dos objetos apresentados no espaço real,onde é possível classificá-los segundo características globais, regionais e locais, mas também de forma bastante subjetiva, gerando polemica quando de sua associação a escalas numéricas e o ambiente de representação final (SILVA, 2001)

Como sugestão na escolha da escala cartográfica correta de trabalho em estudos ambientais, Silva (2001) analisa que as diferentes escalas de trabalho são determinadas segundo os aspectos que definem tanto a localização e a extensão dos eventos e entidades, quanto as propriedades e relacionamentos destes componentes, que geram determinadas situações de estudo, em função da “escala geográfica e dos fatores geo-econômicos” (SILVA, 2001, p. 212-217). 

Para o esse autor, com recomendações de bom senso e reflexão na aplicação dos procedimentos recomendados na utilização dessa forma de análise, podemos distinguir quatro níveis de causalidade em uma escala geo-ambiental:

1 – NÍVEL LOCAL: Refere-se, principalmente, a situações que ocorrem na escala municipal, com destaque os levantamentos que levem em consideração dos recursos ambientais disponíveis (físicos, bióticos e sócio-econômicos). Nesses aspectos, as escalas de representação neste nível de causalidade são as de 1:50.000, para o tratamento do território municipal como um todo, e de 1:10.000, para a análise dos processos e fenômenos que se processam em áreas municipais específicas;

2 – NÍVEL INTERMUNICIPAL: Neste nível de causalidade é considerada a dependência dos eventos e processos que existem no espaço intermunicipal, na interação ente os municípios e seus limites político-administrativos. Silva (2001) enfatiza a importância desse tipo de abordagem para os estudos direcionados a investigação, no geoprocessamento, de pequenas bacias hidrográficas, que normalmente abrangem a área de mais de um município. As escalas geográficas de tratamento de dados para esse nível de análise ambiental são de 1:50.000 e 1:100.000 (SILVA, 2001, p. 213), no território brasileiro, estas escalas cobrem com relativo detalhe os processos que se desdobram em nível intermunicipal;

3 – NÍVEL REGIONAL OU NACIONAL: Para Silva (2001, p. 214) devemos entender esse nível escalar como a área que abrange o “poder jurisdicional atrelado a uma nação, a qual pode ser a realizadora da investigação estritamente dentro do seu território”. Contudo, esse nível escalar ultrapassa, muitas vezes, o território nacional, ou limites histórico-político somente de uma nação, como é o caso da região amazônica, observada por esse autor, ou em estudos que analisam a delimitação de bacias hidrográficas, que não se atém a limites territoriais políticos, mas a questões ambientais. Nesse caso, Silva (2001) explica que as análise podem ser supranacionais, ou regionais, respeitando os conceitos de pátria e território nacional. Nesse nível de causalidade o autor indica escalas de 1:000.000 a 1:250.000;

4 – NÍVEL GLOBAL: Para Silva (2001, p. 217), esse nível de detalhamento refere-se ao sistema econômico-demográfico em âmbito planetário, “para ações ou fenômenos que atingem a população mundial, em particular por alertarem para problemas relacionados com esgotamento de recursos naturais não-renováveis”. Percebe-se que por tentar sintetizar a realidade complexa, esse nível de causalidade é extremamente criticado, porém os avanços nas geotecnologias vêm possibilitando análises mais aprofundadas em nível planetário. O autor sugere que as escalas de tratamento no nível global são as de 1:1.000.000 ou menores, e tem direta conotação estratégio-militar e geopolítica.
A partir desses níveis de causalidade a figura 1 busca simplificar como se pode trabalhar com os produtos cartográficos, em ambiente computacional, segundo “multiescalas”:

Figura 1. Relação entre a mudança de escala e representação espacial de objetos. Fonte: Organizado pelo autor com base em Silva (2001) e Cruz e Menezes (2009).

Assim, a partir da análise dos níveis de causalidade propostos por Silva (2001) e simplificados na figura 01, observa-se que a geoinformação pode ser representada de diferentes maneiras, em diversas escalas, que dependem da demanda e do modo de investigação do usuário final, possibilitando diferentes níveis de detalhamento e diversas formas de interpretação. 

Dessa forma, ao escolher a escala de trabalho, os profissionais que se utilizam do geoprocessamento devem utilizar estruturas de análise compatíveis com a complexidade ambiental que se defrontam (SILVA, (2001), pois, segundo Cruz e Menezes (2009) as escalas cartograficamente maiores representam nível de detalhamento superior ao de escalas menores, abordando, por sua vez uma área geográfica menor.

Desse modo, o tamanho da escala, ou o nível de causalidade, dependerá do tipo de estudo que o pesquisador estiver fazendo, que abrangerá uma área específica de acordo com o fenômeno ou objeto estudado. Contudo, é visível atualmente esforços para se conceituar e entender melhor as atividades realizadas em ambiente computacional por meio de ferramentas de geoprocessamento. Nesse sentido, a representação cartográfica em meio digital ainda não está definida, pois a cada dia sensores e softwares vem surgindo para melhorar os produtos cartográficos e também a precisão da localização sobre a superfície do planeta.

O avanço na cartografia computadorizada pode ser visualizada nos dias de hoje com ferramentas WebGis disponíveis na internet, com temáticas específicas, de acordo com a conveniência de seu administrador.

É importante enfatizar que as potencialidades de relações espaciais em ambiente SIG são factíveis e podem gerar novas informações a partir da interpolação de dados diversos com criação de cenários futuros ou a descoberta de outros atributos existentes no tempo presente. Assim, o fator de escala, antes elemento limitador na análise do mapa impresso, torna-se flexível quando o produto cartográfico está disposto em um computador. 

Porém, não se pode incentivar generalizações confusas, que omitam elementos importantes nos estudos da paisagem, mas se pretende atentar para a necessidade de se gerar instrumentos eficazes e ágeis temporalmente, de rápida elaboração, que auxiliem na análise ideal do espaço geográfico.

Mais uma vez espero ter contribuído com essa leitura.

Até a próxima,

REFERÊNCIAS

CÂMARA, G e MONTEIRO, A. M. Conceitos básicos em ciência da Geoinformação. In: CÂMARA, G; DAVIS, C. MONTEIRO, A. M. V. Introdução da ciência da Geoinformação. São José dos Campos: INPE, 2001. p. 07- 41

CRUZ, C. B. M. ; MENEZES, P. M. L. A cartografia no Ordenamento territorial do espaço geográfico brasileiro. In.: ALMEIDA, F. J. & SOARES, L. D. A. Ordenamento Territorial. Coletânea de textos com diferentes abordagens no contexto brasileiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 195-225.

FITZ, Paulo R. Geoprocessamento sem complicação. São Paulo: Oficina de Textos, 2008a.
______. Cartografia básica. São Paulo: Oficina de Textos, 2008b.

SILVA, J. X. Geoprocessamento: para a análise ambiental. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2001.

SILVA, Fernando Renier Gibotti da. Geodiscover - mecanismo de busca especializado em dados geográficos. São José dos Campos: INPE, 2006. (Tese de Doutorado em Computação Aplicada).

SILVA, C. N. Cartografia das percepções ambientais-territoriais dos pescadores do estuário amazônico com utilização de instrumentos de geoinformação. Revista Formação. Presidente Prudente: UNESP, 2008, p.118 – 128.